Na semana passada, a chegada de uma nova tecnologia ao país foi
das mais felizes para quatro pacientes que mal controlavam os movimentos de
tanto que tremiam. Eles saíram do Hospital Israelita Albert Einstein, em São
Paulo, praticamente sem esse sintoma e isso apenas poucas horas depois de
passarem por um procedimento de vanguarda, cujo efeito foi imediato. Sem furos,
sem cortes, sem anestesia geral.
Uma
das pessoas tinha Parkinson e as outras
três, tremor essencial, condição neurológica de fundo genético que pode
aparecer em qualquer idade e que acomete principalmente os membros superiores.
O
que os médicos do Einstein fizeram foi uma terapia ablativa. É assim que dizem
quando destroem — queimam mesmo — determinado ponto de um órgão usando algum
tipo de energia. Só que, no caso, o tal órgão era "apenas" o cérebro.
E a energia? O som. Ou, mais precisamente, o HIFU, de "high
intensity focused ultrasound". Traduzindo, ultrassom
focado de alta intensidade.
Ele vinha sendo usado para resolver problemas em outros órgãos, cujo
acesso é bem mais simples. "A gente já lança mão do HIFU para tratar câncer de próstata e
mioma de útero", exemplifica Rodrigo Gobbo, diretor do Centro de Medicina
Intervencionista do Einstein. Mas o cérebro, sob a armadura da calota craniana,
parecia inalcançável.
No ponto exato
"O osso, assim como o vácuo, é uma
barreira natural à propagação de ondas sonoras", diz Gobbo, forçando a
lembrança de uma das leis da Física. Segundo ela, o esperado seria o ultrassom
bater no crânio e, feito uma bolinha de fliperama, ser desviado.
A proeza da empresa israelense Insightec,
representada pela Strattner em nosso país, foi desenvolver ao longo de 15 anos
de pesquisas uma tecnologia capaz de fazer com que as ondas de ultrassom,
emitidas por nada menos que mil transdutores minúsculos espalhados por um
capacete, convirjam todas para um único ponto. Qualquer mínimo desvio é
corrigido.
"Mesmo assim, por pura precaução, antes
de cogitar o procedimento realizamos uma tomografia computadorizada para checar
a espessura do osso do crânio", conta Gobbo. "Mas a terapia é tão
avançada que é muito improvável alguém ser excluído por causa disso."
As imagens são analisadas e os algoritmos
calculam onde as ondas precisam parar. E, no caso, elas precisam parar
exatamente no VIM, o núcleo ventral intermédio, que fica na região cerebral do
tálamo. Pouco maior que um grão de arroz, ele é o endereço em comum dos
tremores do Parkinson e do tremor essencial.
Não há erro de rota porque, o tempo todo, o
procedimento está sendo realizado com o paciente — e seu capacete — dentro do
equipamento de ressonância magnética. "Ela é o melhor método para mostrar
detalhes do sistema nervoso central", justifica o doutor Gobbo.
Um desenho de caracol
A neurologista Polyana de Toledo Piza, gerente médica do Programa de Neurologia do Einstein, conta que já se tentou usar outras técnicas de ablação para alcançar o VIM. "Mas a enorme vantagem do HIFU é que o paciente fica acordado o tempo inteiro e, com isso, a gente consegue fazer um teste reversível, com baixa energia, só para checar se as ondas do utrassom estão focadas no lugar certo. Como vejo isso? Aumento um pouco a temperatura e peço para o paciente ligar dois pontos em linha reta ou fazer o 'caracol do tremor', por exemplo", explica.
A médica se refere a um desenho de um
labirinto em forma de caracol que ela passa em uma prancheta com caneta por
cima do paciente, que está deitado dentro do equipamento de ressonância,
vestindo o capacete do HIFU. "Se ele continuar tremendo, não conseguirá a
caneta irá fazer um ziguezague, sem acompanhar direito esse labirinto",
descreve a neurologista.
Outra preocupação é a energia não bater, sem
querer, em outras áreas nobres do cérebro. "Bem ali, por perto, há uma
estrutura chamada cápsula interna, por onde passam todas as fibras motoras. Ou
seja, se eu for um pouquinho mais para o lado, posso diminuir a força ou
alterar a fala do paciente." Calma, se isso acontecer, será só naquele
momento no qual os neurônios ficarão inativos. "Tirou o ultrassom e eles
logo voltam ao normal", garante a doutora.
No entanto, se os tremores estiverem
melhorando, ela continuará aumentando a temperatura até obter o melhor
resultado. E, só então, fará a lesão irreversível. E, não, a pessoa não sente
nada. Vá lá, alguns relatam uma leve tontura na hora agá.
Com UOL

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